Ouço um som pavoroso vindo da minha mesinha de cabeceira. Ainda a sonhar, tento perceber de onde vem o som e com um movimento já mecânico lanço o braço em direção ao barulho e desligo o alarme. Volto a aconchegar me na cama e recomeça o cenário. Novamente o barulho, o braço e o aconchego. Decido então que já está na hora de me levantar. Com os olhos ainda semifechados ponho um pé fora da cama e levanto-me. Percorro o corredor dos quartos, passando pela sala abro a janela para entrar o sol, e dirijo-me à cozinha. São 7h20 da madrugada, o sol já está em pleno céu, pronto para aquecer impiedosamente os solos secos, mas molhados das poças de água, derivadas das chuvas do dia anterior ou mesmo da falta de escoamento das estradas. Olho para cima do armário e dou um “olá” ao Elvis, uma jovem caturra que ainda não se habituou aos donos. Ponho o café a fazer e vou tomar um banho refrescante e dar tempo para arrefecer. Visto-me e vou buscar o café. Enquanto o bebo, fumo um cigarro e vejo as notícias de Portugal. Apesar de já não viver lá, será sempre o meu país de origem, e tenho uma curiosidade necessária em saber de tudo o que se passa por lá. Recebo uma chamada no telemóvel e saio de casa. A chamada é da boleia que me espera quase todos os dias na estrada em frente à minha casa. Para chegar à estrada percorro cerca de 5 metros. Uma curta caminhada que serve para dar os bons dias ao guarda, que passa a noite a vigiar o meu prédio.
Para chegar ao local de trabalho passamos por dois semáforos. O primeiro é logo no primeiro cruzamento da avenida onde fica a minha casa. O segundo é depois de umas voltas para a esquerda e para a direita. Demoramos cerca de 5 minutos a chegar, poderia ser menos, mas as condições das estradas não o permitem. Nesse segundo semáforo é quase certo que paramos. Talvez por ser uma rotina e o tempo que demoramos a lá chegar seja quase sempre o mesmo todos os dias. Ou talvez porque o semáforo está quase sempre com a luz a exigir aos condutores para parar. A verdade é que paramos. Na rua do semáforo pode-se ver umas barraquinhas de fruta e vegetais de um lado e do outro. Vende-se desde tomates e alfaces a mangas, maracujás, melancias, e variados frutos exóticos. As condições são as piores possíveis, são apenas tábuas de madeira e por vezes uma mistura de paus e canas, amarrados com cordas e panos de forma a parecer uma banca cheia de cores e cheiros.
Todos os dias olho para os senhores e as senhoras que ali vendem a fruta e imagino como seria a minha vida se fosse dona de uma daquelas barracas. Com certeza que seria pobre e vivia numa casita nos arredores do centro de Maputo. Uma casita com apenas uma divisão e feita de madeira ou de cimento. Com certeza que teria uma carrada de filhos para criar, porque não tinha posses para me proteger e provavelmente já teria arranjado um marido que me pudesse sustentar. Mas com certeza que seria feliz como eles. Por muito má que a vida seja, estão sempre com um sorriso na cara e olham para nós, mesmo sabendo que somos privilegiados, e dizem – Bom dia patrão!- ou – Bom dia mamã! – Mamã para eles é uma forma carinhosa de tratar as senhoras e patrão é patrão, como diz a música de Mc Roger, um local cantor.
Todos os dias penso na sorte que tenho.
Chegando ao local de trabalho estacionamos o carro à porta. De imediato vêm cerca de 3 rapazes moçambicanos, que passam os dias sentados à porta do nosso escritório, para pedir para lavar o carro. Se dissermos que sim, esboçam um sorriso como quem já ganhou o dia, se a previsão for chuva e dissermos que não vale a pena, pedem para ficar apenas a guardar o carro. Claro que não podemos rejeitar tal pedido, que tipo de pessoas seriamos se dissemos a uma pessoa que nem dinheiro tem para comer, que não pode vigiar o nosso carro. Não que haja roubos de carros em Maputo, é apenas uma maneira de receberem qualquer coisa, e que seja merecido.
Chegamos ao escritório e o primeiro pensamento é o de ligar o ar condicionado. A primeira sensação do primeiro sopro é talvez uma das melhores partes do dia.
Assim se passa um dia de trabalho, com uma hora de almoço pelo meio. Pela rotina o normal é comermos fora num restaurante ou café perto do escritório. Por vezes vamos a casa comer.
São 17h30 e está na hora de abandonar o local de trabalho. Pego no telefone e combino uma passagem por um café com alguns amigos. Encontramo-nos numa esplanada, as mais usuais são a “Surf” ou o “Dolce Vita”.
A surf é uma esplanada grande com uma vista fantástica para o mar e um grande parque para os mais pequenos, onde se podem ver os mini barcos de pescadores a passarem de um lado para o outro e alguns cargueiros bem longe dali, prontos para descarregarem os contentores mandados vir do estrangeiro.
O Dolce Vita é dos cafés mais “in’s” de Maputo. Onde normalmente se encontram as pessoas de estatuto mais alto.
Independentemente do local, as bebidas são as mesmas todos os dias, ou Laurentina ou 2M para quem bebe cerveja, e coca-cola ou sumo Natural para quem não bebe. Acompanhado sempre de caju ou chamussas de caril e frango. O caju, ou como os locais apelidam “castanha de caju”, é o fruto mais tipo de África, normalmente são acabados de queimar e servidos por meninos, cujo seu trabalho é único e exclusivamente vender o caju na rua. Do líquido que sai do fruto fazem licor de caju. Assim ganham a vida.
Após um fim de tarde bem passado, com uma companhia fantástica e muita cusquice, fica na hora de recolher para casa. Despedimo-nos com um “até amanhã” e recolhemos.
Chegando a casa e depois de dar um “refresco” ao guarda, há ainda muita coisa para fazer, desde o jantar, preparar algumas coisas para o dia seguinte, concertar as pequenas coisas que vão avariando constantemente no dia-a-dia, principalmente os eletrodomésticos, por vezes comprar pão e algumas grosserias e ainda falar com a família e amigos que se encontram a dez mil quilómetros de distância.
Um dia normal.

"...Os meus pensamentos foram interrompidos por uma voz feminina e quase mecânica – Senhores passageiros, informamos que o Voo com destino a Maputo já se encontra pronto para embarque. Por favor dirijam-se à porta de embarque. Obrigada. – Não sei dizer se eram estas palavras exatas, na realidade já lá vão quase dois anos…"
sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012
Introdução ao Blog
Eram 9 da manhã, num dia de férias, o sol brilhava como era costume naqueles dias de Verão. Não tinha nada para fazer de importante, tinha apenas de aproveitar as férias, excetuo talvez um pensamento que me tinha atormentado a noite toda - Tenho voo às 6 da tarde!- já tinha feito a mala. Não apressadamente, quer dizer, talvez um pouco à pressa pois tudo o que tinha de levar não era apenas para um dia, nem uma semana, nem um mês, eram os meus planos para uma vida! A noticia foi me dada 4 dias antes da viagem.
6h da tarde do mesmo dia, o sol já se escondia atrás dos prédios de Lisboa. A sala de embarque parecia não ter oxigénio, custava a respirar. Não porque não tivesse janelas ou falta de ar, mas pelo nó na garganta que tinha, pelas borboletas na barriga e pelo aperto no coração das saudades que já tinha de Portugal. Sabia que ia voltar um dia, mas naquele momento não pensava em mais nada se não nos meus amigos, na minha irmã e na família que restava em Portugal que iria deixar para trás.
Os meus pensamentos foram interrompidos por uma voz feminina e quase mecânica – Senhores passageiros, informamos que o Voo com destino a Maputo já se encontra pronto para embarque. Por favor dirijam-se à porta de embarque. Obrigada. – Não sei dizer se eram estas palavras exatas, na realidade já lá vão quase dois anos…
6h da tarde do mesmo dia, o sol já se escondia atrás dos prédios de Lisboa. A sala de embarque parecia não ter oxigénio, custava a respirar. Não porque não tivesse janelas ou falta de ar, mas pelo nó na garganta que tinha, pelas borboletas na barriga e pelo aperto no coração das saudades que já tinha de Portugal. Sabia que ia voltar um dia, mas naquele momento não pensava em mais nada se não nos meus amigos, na minha irmã e na família que restava em Portugal que iria deixar para trás.
Os meus pensamentos foram interrompidos por uma voz feminina e quase mecânica – Senhores passageiros, informamos que o Voo com destino a Maputo já se encontra pronto para embarque. Por favor dirijam-se à porta de embarque. Obrigada. – Não sei dizer se eram estas palavras exatas, na realidade já lá vão quase dois anos…
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